Teoría do banal

Tradição literaria

Com o frio põe-se-me
pequena
e acanhada
encolhidinha, moldável e amorosa
como uma minhoca perante a morte.
Nessa posição, indefensa,
gosto de acariciá-la,
sentir o seu tacto,
as suas cartilagens gelatinosas
abeiradas entre as mãos
até que, pouco a pouco,
com o calor do sangue,
recobra a força indomesticável
e aborrecida
que a predispõe
para o sexo.
Para o verso.

Louvre_Paris

Autopoética (II)

Que por que onde quem
escrevo quando
como
assim que escrevo com a boca
cheia.

A um leitor: Não te fíes do poema,
filho da ausência,
nem é intuição
nem é pensamento,
é o latido do abismo.
MAHMUD DARWIX

75

Insolvência

(pobreza léxica)

A minha poesia
tem menos palavras

por falta de cobrança.

♦♦ 1.000 mg (Iolanda Zúñiga)

♦♦

 Ligação poética

Vénde-se livro de poemas, quase terminado, polido,
com citações, 76 páginas, 4.000 euros.

76

Conversação

 

Os poemas não devem começar e acabar num mesmo. O autor é um mediador (…). Deve ser humilde e permeável, deixar que o mare- magnum das possibilidades criativas o supere, (…) deve ceder o lugar de poeta às vozes do seu contorno, a polifonia é necessária à hora de dinamizar a criatividade.
ELIAS KNÖRR

Depois de uma tarde a escrever poemas
meto-me no duche
e só sinto
a estancar-se no umbigo a água morna que vem
da tubagem.
LUISA CASTRO 

Que se precisa para ser poeta?
Por acima de tudo há que ser muito pouca coisa. Ser tão pouca coisa que sejas capaz de dizer «eu», que não te envergonhes de dizer «eu». Toda a poesia está fundamentada no eu, no sentimento, nas impressões, na sen- sibilidade individual, e isso é algo que a sociedade tende a limitar, por- que é a sua função, e na arte tem que se expandir. Um poeta não pode ser poeta se não diz «eu».

Entrevista a L. CASTRO, por Belén Fortes en The Barcelona Review: http://www.barcelonareview.com/31/s_lc_ent.htm

77

Eu

Confesso que não me sinto só.
Sei que eu sou vários eus,
que me compõem,
partilhando
saudades.
E todos lutamos por fazer-nos
um lugar.

O eu dum poeta (psicologia?) é uma secção: não substitui, não transporta, não muda o sentido.
CHUS PATO

78

Crise

O eu
morr eu?
a poesia
ia ia ia ia ia ia ia ia ia ia
ia ia ia ia ia iva iva iva iva iva iva iva
que aumenta em tempos de crise
voltou?

(It’s a revival)

I’m death?

Confrontar poemas das páginas  e 

79

Dilema

E se sou poeta,
quando lavo os pratos?

Ser poeta
limita o potencial pleno de um.

GREGORY CORSO

80

Sexismo

Isa é poeta
e por isso é poetisa.
Iso é poeta
e por isso não é poetiso.
A poesia
também
é
isso.

 

 

 

 

♦♦

♦♦

♦♦

Poética da política

Posso prometer
e
prometo
ou
não é um interlocutor
válido
a poesia 
nos orçamentos gerais do Estado. 

 

82

Política da poética*

«Há uma poesia que atua como fundamento das pátrias e sem a qual não poderiamos entender o ódio», aponta o pensador esloveno Slavoj Zizek (Liubliana, 1949). Por isso, propõe: «Precisamos de controlar a poesia, após cada limpeza étnica há um poeta».

El PAÍS: «Por trás da cada limpeza étnica há um poeta»

* Política da Opinião

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